01 maio 2012

Memórias de uma medrosa

Ela tinha medo de escuro. Medo de envelhecer. Medo de ficar sozinha. Medo de se magoar. Medo de dizer não. Medo de se apaixonar. Medo de altura. Medo de aranhas. Medo de conhecer pessoas novas. Medo de mudanças. Medo de se arrepender. Medo de saber demais. Medo de nunca aprender. Medo de se apegar. Medo de nunca lembrar. Medo de sempre esquecer.

Tinha medo de deixar pra trás e medo de se envolver. Tinha medo de se perder, de se encontrar e também medo de amar. Levou uma vida com medo. Medo de adoecer, medo de enlouquecer, medo de se expressar e medo de se soltar demais. Tinha muito medo. Medo de baratas e de andar de avião. Tinha medo de nunca ser amada. Medo de agulhas e de ir ao médico, medo de andar sozinha e medo de multidões.

Tinha medo de sentir dor. Medo do vento. Medo da chuva. Medo de pessoas. Medo de ser esquecida. E medo de nunca ser lembrada, o que - para alguns - dava na mesma, mas para ela eram medos completamente diferentes. Tinha medo de raios e trovões, de números, de explosões, do mar. Tinha medo de apanhar, de se sujar, de cair e medo de mísseis.

Tinha medo da paz, da guerra, de sapos, tinha medo do ridículo. Tinha medo de novidades. E de coisas antigas demais. Tinha medo de dançar em público, de falar em público, de ser roubada ou de ficar trancada em lugares fechados. Odiava andar de elevador, tinha medo. Tinha pavor de atravessar ruas, de eletricidade, medo das sombras.

Os barulhos que ouvia à noite a apavoravam. Tinha horror à sangue. E muito medo de gente bêbada. Tinha medo de neblina, de insetos e de pessoas japonesas e de ciganos. Medo de ser processada ou de até ser presa. Tinha medo de ratos e medo de decepcionar alguém. Também tinha muito medo de se decepcionar. Havia também o medo de engordar demais ou de emagrecer muito. Medo de ser seguida ou vigiada, medo de ter filhos e de nunca se tornar mãe.

Evitava espelhos e tinha medo de falhar. Tinha medo de fracassar.

Tinha medo de parecer tímida demais, sensível demais, delicada demais, grossa demais, esquisita demais, desleixada demais, certinha demais, medrosa demais.

Tinha medo de ter medo. E por isso não viveu. Refém de si mesma, preocupava-se com tanta coisa que não tinha tempo de viver. Definhou sozinha, lentamente, desesperadamente. Quando quis escrever um livro de memórias, não achou o que escrever. Na única página que conseguiu escrever, deixou seu último bilhete:

"Não direi "adeus", pois tenho medo de despedidas. Tive medo de viver e com isso morri por dentro. Matei-me antes mesmo de morrer. Agora, tomo a única decisão corajosa que jamais tomei. Não se culpem".

Ninguém se culpou. Ninguém leu. Acabou sozinha, como sempre teve medo de acabar.

Um comentário:

Meus pequenos deixem seu recadinho para mim .. ficarei muito feliz. :) ♥